domingo, 16 de dezembro de 2012

POEMA DE SÃO JOÃO DA CRUZ

GLOSAS DA ALMA QUE PENA NÃO VER A DEUS Em mim eu não vivo já, E sem Deus viver não posso; Pois sem ele e sem mim quedo, Este viver que será? Mil mortes se me fará, Pois minha mesma vida espero, Morrendo porque não morro. Esta vida que aqui vivo É privação de viver; E, assim, é contínuo morrer Até que viva contigo. Ouve, meu Deus, o que digo, Que esta vida não a quero, Pois morro porque não morro. Ausente estando eu de ti, Que vida poderei ter Senão morte padecer, A maior que jamais vi? Pena se assim eu persevero, Morrerei porque não morro. O peixe que da água sai Nenhum alívio carece Que na morte que padece, Afinal a morte lhe vale. Que morte haverá que se iguale Ao meu viver lastimoso, Pois se mais vivo, mais morro? Quando penso aliviar-me Vendo-te no Sacramento, Faz-se em mim mais sentimento De não poder-te gozar; Tudo é para mais penar, Por não ver-te como quero, E morro porque não morro. Se me deleito, Senhor, Com a esperança de ver-te, Vendo que posso perder-te Redobre-se em mim a dor; Vivendo em tanto temor E esperando como espero, Morro sim, porque não morro. Livra-me já desta morte, Meu Deus, entrega-me a vida; Não ma tenhas impedida Por este laço tão forte; Olha que peno por ver-te, O meu mal é tão inteiro Que morro porque não morro. Chorarei já minha morte, Lamentarei minha vida, Enquanto presa e retida Por meus pecados está. Oh, meu Deus! Quando será Que eu possa dizer deveras: Vivo porque já não morro?

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